segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Traduzido pra Mesma Lingua


Vou tentar fazer um verso
Virar um lenço bem seco
Pronto para ser umedecido
E, se precisar, encharcado

Ele tenta secar essa angústia molhada
Que insiste em lhe lavar a fronte
Mas você joga-o num mundaréu de água
Espera que um suporte absorver o outro

Assim, quem sabe o mar não seca?
E faz aquela embarcação tocar o solo
E ficar, ao menos, parada
Sem mar nem menos, seja alcançável

Porque a falta de esperança
Impede o corpo de boiar
Por estar cansado da promessa
De que a água vai aguentar

No solo seco você sabe onde pisa
E não periga se afogar
Talvez tropece ou escorregue, mas
Tem a certeza de manter o pulmão seco

Que de molhado já basta seu rosto
Onde mora seu impasse eterno
Posso interferir no ancorar de outrem
Sem desrespeitar seu rumo próprio?

Fosse ao menos um barco a vela
Onde o vento, que é amigo
Poderia uivar a favor da meia volta
Ou levar seu corpo na mesma direção

Se eu lhe entregar vários lenços
A fim de que eles virem uma corda forte
Que se possa jogar para te laçar a força
Ou para te salvar da forca

Ainda assim te faltaria o marinheiro
Que foi embora sem lhe ensinar a dar nó
Só sei dar laço, desses que soltam fácil
Porque a beleza assim o regrou

E, me lembrando de histórias passadas
Vi o mar ser aberto com cajado
Vi nele peixes se multiplicando
O vi endurecer e ser atravessado a pé

E só me resta te recordar
Que a mesma força que ordenou
Que o mar se fizesse submisso
É aquela que guia seu corpo

Seu corpo, em sua maioria, é água
É regido pelo mesmo maestro do mar
Que me diz que ainda nessa sinfonia
N´alguma nota os dois vão se encontrar

Essa vida é um desacerto
Promessas para ter sonho realizado
E rezas suplicam para que o passado
Nem em sonho atravesse o travesseiro

domingo, 25 de dezembro de 2011

Pra Você Ler


Queria que sua existência me bastasse
Pra me satisfazer só em te observar
Queria que seu braço me apertasse
Pra me impedir, de novo, de me afastar

Eu tenho que dar um jeito de sumir
Com essas pistas que me tornam suspeita
Daqui a pouco já vai dar pra ouvir
O quanto o seu simples mover me deleita

Passa pra lá e vai rir com alguém
Quanto mais te vigio, mais te perco
Passa pra cá, traz o seu blém blém
Me deixa cantar e abre esse cerco

Não pára de falar, deixa sair da boca
Que eu acho que a palavra até envaidece
Sendo entoada por voz levemente rouca
Tenho até dúvidas se meu ouvido merece

Me deixa durmir, que já é amanhã
Sai da minha cabeça! Ou entra por essa porta…
Ou pára de me servir como casaco de lã
Ou me abriga de uma vez ou me aborta

Não, não ri tão fácil pra mim
Cê não vê que isso só me piora?
Não dou conta desse riso tão mirim
Que vira um ímã e me demora

E nada me livra da expectativa
Desse meu sentir ser possível
Desse seu sorrir que me cativa
E nada me livra do imprevisível

Qual será a ferramenta que desconstrói
A beleza que envolve esse desejo
E força o sujeito a virar príncipe e herói
Chega a brotar candura até no seu bocejo

De repente o motivo da recorrência
De tanto sentimento desconfiado
É que o poeta se usa da carência
Pra ficar ainda mais agoniado

E fazer tudo virar verso bonito
Torcer que alguém, entre vírgula, se veja
Em algum ponto desse perene conflito
Entre o que se supõe e o que almeja

Me Tacaram Betacaroteno



Senhora Cenoura, quero dizer-te
O quanto me alegras o almoço
É lindo quando nadas no azeite
Não és amarga e nem tens caroço

Eu te cozinho e te sinto adocicar
E fico ansiosamente curiosa
Para descobrir no meu paladar
Se tens o mesmo gosto da prosa

Queria saber se seu ciclo erra
Por ser o contrário dessa humanidade
E começar lá debaixo da terra
Onde jaz os que me dão saudade

Que te aconteceria na vida
Se te deixássemos enterrada?
Cê se sentiria agredecida
Por não ter virado salada?

Eu só sei pisar a terra, mas você
Com esse seu nascer subterrâneo
Já deve ter conseguido perceber
Onde se pode ser mais espontâneo

Acho que já fomos vizinhos lá no Éden
Onde o homem brotou do pó da terra
E pelo nível de pecado é que eles medem
Se a porta do céu abre fácil, ou emperra

Ah, ando preferindo virar salada
Sem precisar pensar no sentido da vida
Não importa se cozida, ou crua e ralada
Teria ao menos garantia de ser bem comida

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Ideais

 

Oh só pra essa petulante mania
Que esse povo tem de insistir
Em recitar música e cantar poesia
Fazendo até moço brabo, sorrir

Chega um assim meio acanhado
Desses que te olha assim de baixo
E caminha mei desconsertado
Rio Brandão que aparenta riacho

De repente, cê já tá hipnotizado
Respiração no compasso dos versos
E o resto fica tudo embassado
Leia aí só mais uma, eu te peço!

A coisa toda já tomou conta dela
Não sabe se recita, se canta, se chora
Pra ela decidir basta a gente dar trela
Elisa é lisa e se encaracola sarau afora

E aquele ali ainda diz que é de mar
A rima é doce, lhe dê um Sol pra ver
Edimar de mansinho toma seu lugar
Faz música assim, como quem nina bebê

No intervalo duma canção bonita
Me chega esse cabra arretado
Wesley com artigos, és lei bendita
Queria aprender seu palavreado

Ai, que o peito parece que num guenta
Nunca vi tanta riqueza ajuntada
Vem minha vó, traga uma água benta
E tome tento com essa rima virgulada

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Carvalho


Para Elisa Carvalho e seus ramos, flores, frutos, raízes, vida...


Já existia bem antes de você
Dizem que data mais de mil anos
Natureza perpétua, agora cê vê
Esse nome tá longe de ser engano

A gente pensa que é só um arvoredo
Mas a cada novo galho que contamos
Dá logo pra ver que ali tem segredo
É um só nome, para vários ramos

E no final de cada um, tem fruto
E nenhum deles ousa apodrecer
Só fazem alimentar o canto astuto
Dos passaros que vêm amanhecer

Guarda consigo o registro precioso
De chuvas e tempestades passadas
E a cada pé d´água doloroso
Enraíza ainda mais suas jornadas

Com o temporal, seu tronco revigora
E não há um pingo que sinta coragem
De ousar derrubar essa história
Desde o solo até sua folhagem

E mesmo com esse assédio natural
Que a vida insiste em querer forçar
Ela não se revolta ou deseja o mal
Se o vento balança, ela põe-se a dançar

Quer ser morada para toda vida
Que a rodeia com simplesa e canto
Ternura que chega a ser desmedida
Com uma força de causar espanto

Vê poesia em grade na janela
E registra tudo em fotografia
Já devem ter avisado a ela
Que essa árvore dá poesia

Pára, Amélia...


Deixa nosso amor no fogo baixo
Que é pra gente ficar despreocupado
Tem perigo de queimar não, amor
Da pra saber pelo cheiro

Varre nossas brigas pro quintal, dengo
Deixa que o vento leva pra longe
Essa sujeira que tem hora que gruda
Vem cá, já já ele sopra essa poeira

E chega dessa lavação de roupa suja
Oh, chega um dia que a roupa gasta
Compra lá aquele amaciante
E deixa isso aí só de molho

E agora cismou de tirar teia de aranha
Naqueles assuntos, daquela gaveta
Tão lá guardados, deixa lá, amor
Deixa que a aranha cuida deles pra nós

Larga do jeito que tá
Que o que não tem remédio
Remediado está
Desliga o aspirador

Chega de arrumação, meu bem
Vamos deitar e ver televisão
Finge um pouquinho que tudo tá bem
Abraça eu, que eu não sou de mais ninguém

Ele Faria


O poeta é mesmo um teimoso
Leva na ponta do lápis o coração
E requer de um certo tempo ocioso
Só pra versar seu não-ganha-pão

Ah! Queria mesmo é viver da emoção
Que conto e declamo em tom de paciência
De repente vira até uma canção
Um concerto que dispensa regência

Mas enquanto a arte for um semi-nada
Pra essa gente que (não) nos representa
Só me resta a carteira assinada
Que só com o pão me sustenta

Preciso ter a alma nutrida
O corpo aceita qualquer carboidrato
Poema é refeição bem servida
Só queria que bastasse esse prato

“Estude, seja alguém na vida!”
“Arruma um serviço fichado!”
A simpleza anda meio esquecida
Muitos tentam me deixar calado

Eu chego até a achar graça
Desses senhores tão estudados
Que só querem dar liga na massa
Prefiro os analfabetos abestados

Bença, vó

Dona Imaculada

Nunca tive brinquedo de presente
Só passava, varria e limpava
Reclamasse, chinelada na gente
Num sabia se lavava ou chorava

Casei foi pra ter minha liberdade
Mal conhecia o tal do marido
Sorte, ele era todo bondade
Católico, alegre, não muito cumprido

Só me veio mesmo filha mulher
Criei todas bem na linha dura
Ninguém tratou delas feito qualquer
E nunca que faltou ternura

Só agora percebi que liberdade
É ser viúva numa casa vazia
Com remédio pra aumentar idade
E no domingo, três Ave Maria

Por ter medo de durmir sozinha
É que ficar velha é uma merda
Bem pior até que erva daninha
E a tal genética que a gente herda

Abre as portera da gordura
Antes eu era um esqueleto
Esses anos roubam formosura
Essa vida é mesmo um desacerto

Y da Silva



- Oi moça, boa tarde
Desculpa meu bucado de pressa
Meu caso é mesmo de fazer alarde
O dotô atende uma hora dessa?

- Não se chega assim de surpresa
Num balcão de atendimento
Não posso nem lhe dar certeza
Vou ver como tá o andamento...

Volte amanhã depois do almoço
Que lhe arrumo um horário apertado
Mas não repita isso, viu moço
Não me chegue aqui tão apressado!

- Oi seu médico, boa tarde
E obrigado por ser tão gentil
O peito me dói, e pra dizer a verdade
Multiplique isso por bem mais de mil

- Boa tarde, seu moço apressado
Venha cá que eu afiro a pressão
Esse pé parece um pouco inchado
Pelo visto tá em dia o coração

- Ô dotô, num me diga isso não
Que esse caso é grave, periga dar morte
Diga a verdade, enquanto eu faço oração
Me diz, quanto eu vivo caso tenha sorte?

- Rapaz, seu coração bombeia bem direito
As vistas e a coluna tão em ordem também
Diga, que mais sente além de dor no peito?
Andaste mesmo apanhando de alguém?

- De um só não, dotô
Pelo menos uns milhares vezes mil
Me escuta direito pufavô
E nem vem com a tal bezetacil

Essa é uma dor bem diferente
É de toda gente nascida comigo
Acho que minha geração tá doente
As vista só quer enxergar o umbigo

- Ô moço, então é esse o enfisema?
Primeiro pega um papel e uma caneta
E escreva assim em forma de poema
Que não vai nem precisar de receita

Saindo daqui corra na drogaria
E compre absolutamente nada
Não há veneno que inverteria
Caso de geração envenenada

Essa receita né pra remédio não
Dois ovos, leite, açucar, trigo
Mexa tudo, unte a fôrma com a mão
Ache alguém pra tomar café contigo

Corra ao laboratório e peça
Um exame de pulsação
Abrace a atendente e ela que meça
Se a batida sobe ao se aproximar coração

Tome a última dose de cura do dia
A todo que passar, dê compaixão
Dê, no mínimo, uma alegria
Pra dona rica e pro catador de papelão

Além da esmola, dê também a mão
Mostre interesse, além de só escutar
O consumismo é uma contramão
É em pessoas que devemos apegar

Volte a agendar consulta
Se achar que há necessidade
Espero que mude a conduta
De urgenciar tanta agilidade

- Ô dotô, sô me desculpe
Escrever a mão dá até um pavor
Vou em casa pegar o notebook
O senhor repete se eu pedir por favor?

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Certeza





Para Bruno, meu irmão, meu poeta, meu nenho, meu cúmplice 


Na teimosia de querer aproveitar
O silencio da madrugada calma
Fiz até prece pra procurar
Uma coisa que sustente a alma

Queria entender a razão estranha
Do cantar do galo no meio da noite
Mas que raios será que ele ganha
A essa hora com todo esse açoite?

E o gato que foge de casa
E vai lá pro asfalto miar
Se esse bicho nascesse com asa
Não demoraria a se endeusar

Por aqui cada um tem um jeito
Diferente de se enganar
Que será que leva o sujeito
A demorar tanto pra deitar?

Nessas coisas você já pensou
Madrugadas-luz na minha frente
Quantas vezes esse galo cantou
Enquanto você rangia a mente?

Uma caneca sob medida
Pra abrigar a santa cafeína
E essa guimba morre decidida
A deixar pra trás a nicotina

Essas coisas de vício carregam
Uma simplicidade em rimar
Nesse trago que um dia te negam
Ao dizer que querem te salvar

Dá saudade é daquele ninar
Escutar mesmo sem entender
Que se passa com a rainha do lar
Que não tem gostado de viver?

Ele aprende a decorar os livros
É isso Deus, que é dialogar?
E será que essa ovelha se livra
Desse vício de se alinhar?

Ela não lembra muito da escola
Mas aprendeu matéria importante
Quem só decora o livro se enrola
Na hora de amar seu semelhante

Entre briga e arrebatamento
Entorpecemo-nos de confusão
Registro o agradecimento
Por ter o braço de meu irmão

Irmão é casa de árvore no quintal
Pronde a gente corre e encontra abrigo
Quando quer nada além do normal
Só alguém que respire contigo

É beira da praia em baixa temporada
Onde a gente caminha tranquilo
O mar chama a areia de namorada
Mas a onda mantem seu sigilo

Saber que você tá por perto
E sempre poder pegar sua mão
Entender que nem sempre tá certo
Quem se vale apenas da razão

Poder exercer a breguice
De achar paz nesse seu dormir
E eu acho que eu nunca te disse
Mas você até costuma sorrir

Não preocupa com tua incerteza
Essa dúvida elogia a reflexão
Dizem até que o certo é a beleza
Que mora la dentro da televisão

Família é embriaguez maquiada
Uma coca-cola depois da cachaça
Pode tá com a cabeça arriada
Mas passeia de pé pela praça

E é bom que nem coca e cachaça
Deve ser por isso que eu insisto
Em brigar com qualquer ameaça
Que atrapalhe seu sono esquisito

Tem quatro lugares no sofá
Normalmente ficam três vazios
Quatro pessoas a se indagar
Pra que uma casa com tantos fios?