terça-feira, 13 de março de 2012

Há Beleza



Com o tempo, e também com a falta dele, descobri que eu terminei por me tornar amiga de tudo aquilo que me cansava, como tivesse uma compaixão louca por tudo quanto é coisa que eu cheguei à conclusão simples de que é chata. É aperriante, sufocante, massacrante, tipo Kant. Não sei se é uma aceitação muito humana, ou se é acomodamento, ou se é esse apartamento… Não sei se é por pura preguiça de gritar, se é por falta de habilidade de bater…
Talvez seja por tudo isso. Talvez não. O fato é que eu percebi que, despercebidamente, eu sigo o clichê não muito famigerado de encontrar uma coisa boa no meio de um monte de coisa ruim e me agarrar à isso, como quem está num navio prestes a afundar e se gruda na parte mais alta que encontra. O navio vai afundar, esteja a pessoa onde estiver, corra pra onde correr. Porque, nesse caso, correr não adianta nada. Nadar sim.
Mas, eu acabo me afogando nesse mundo de ideias que me vêm à cabeça nas horas mais despretenciosas, como quando eu vou ali na padaria comprar um açúcar com uma nota de cem reais, só pra trocar o dinheiro; ou nas horas mais sacanas, quando aquele amigo precisa muito que eu volte toda minha atenção para o que ele está falando mas eu, à deriva, já to sendo visitada por essas ondas salgadas que, às vezes, não trazem lixo consigo. Nessa hora eu chego a pensar que eu sou aquela fraude da concha que tem “o barulho do mar”, e me arrisco a dizer que se alguém encostar o ouvido em mim, pode até escutar as ondas quebrando. Ou o meu estômago roncando. Talvez seja só fome.
De certo que ter um mar na cabeça nunca foi fácil, mas também nunca foi diferente. E, por pensar assim é que eu acabei ficando amiga das chatices dos outros e, por consequencia, das minhas também. Se eu não for amiga do mar, ele é chato. É água salgada, arde o olho, a onda me sacaneia, me gruda areia, a pele descasca. Mas, me amigando à ele é que eu o reconheço como parte integrante do mesmo universo que me gerou e, toda essa imensidão passa a ter uma irmandade quando eu me descubro parte daquela água. É a morte do eu. Sempre fomos e seremos nós e, ainda assim estaremos sozinhos, porque eu aprendi uma palavra nova que se encaixa à isso: aporia.
Mas, independente da minha manipulação do texto para usar a palavrinha nova, eu queria é dizer que hoje eu penso que somos a mesma coisa. Esse mar não poderia ser eu, porque somos nós. É natural que eu seja amiga dos mares, das espaçonaves, dos guarda-roupas, dos quebra-molas, das cebolas, dos vizinhos, dos retratos, dos beatos, dos portões, dos ladrões, do tempo, do vento, do acento, do coentro. E de tudo mais que seria chato, mas não é, porque eu aceitei como uma matéria variável do meu próprio ser.
E eu não sou chata. Eu sou muito legal. 

3 comentários:

  1. Eu só gosto de você porque você é nós...

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  2. Eu não gostaria de você se você fosse legal, legal de verdade eu quero dizer.

    Mas esse texto me tirou o folego!

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  3. Que texto mais intrigante Deia. Não sei como, mas sinto que sou parte de seus textos.
    Há muito de mim neles.

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