segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Natália, a Batata Palha



Meu prato hoje tá em pânico!
Chega a tropa industrializada
Contra meu soldado orgânico
Arroz, batata palha e salada.
Daqui eu vejo uma trincheira
De arroz branco bem refinado,
Natália, a batata palha traiçoeira
Prepara armamento pesado.
Fuzis carboidráticos abastecidos
De gordura trans, homo e hetero.
Eu me pego tapando os ouvidos
E a batata atirou sem esmero…
Acertou o meu melhor quiabo!
As taiobas são bobas,
Mas ficaram revoltadas!
As acelgas, cegas de amor,
Estão desconsoladas!
As couves já chamaram o coveiro,
Elas estão refogadas!
As chiques chicórias com suas memórias,
Estão amarrotadas!
Até a ridícula rúcula,
Estava sensibilizada!
Quiabo, logo o quiabo…
Que abotoa os passos da dança
Entre a saliva e o seu escorregar…
Diabo, logo o quiabo?!
Que patina na panela fina
Na leveza de uma bailarina…
A tropa verde tava encasquetada,
E seguindo o conselho do nabo
(Inimigo nada bobo da batata),
Lançaram mão da graúda granada!
A batata quase perdeu a palha
O arroz não entendia mais nada!
No fim todos viraram migalha
Na boca de molares-navalha
Que gargalha a cada mastigada
E engole essa guerra salivada
Só pra não engolir seco
Só pra não engolir sapo

Se cai uma agulha
O palheiro é paliativo
Se acalma a gula
O cheiro vira crivo 

Desponta



Reticências são meu vício
Assim como a procrastinação diária
Bem como é vício a expectativa
Minhas histórias com três pontos

Manhãs de preguicências
Tudo que o pé almeja
É se esfregar nas bolinhas do lençol
E não saber se vai dar sol

Noites de esperancências
Tudo que a cabeça peleja
É possuir teto de estrelas
E a lua ainda dá trela

Madrugadas de sonolecências
Onde o silêncio é a base
Da melodia de sons curiosos
Que o acaso da natureza compõe

Um ponto é um círculo
E círculo é eterno
Não teve tiro de largada
Não acha a linha da chegada

Tres pontos é o sinal
De que o sem-fim de caminhada
Não é solitário a um ponto
Já que…

Pão Nosso



Ao invés
De ensinar ao meu filho
Que faça uma reza no almoço
E que jogar comida fora é
Pecado
Hei de sugerir a ele
A ideia de que colocar no prato
Quantidade suficiente para
Se saciar
É o maior ato de oração
Em agradecimento divino
Que se possa fazer de fato
Ao invés de lançar palavras para fora
Da boca
Pedindo a benção pelo sustento
Que está à mesa
Torcendo para que o volume de voz
Ou do sussurro
Acerte
Os decibéis necessários aos ouvidos
De deus
Hei de sugerir, ainda, que
Não há no mundo maior ato de oração
Em cumprimento do
Amor ao próximo
Do que respeitar a crença
Do irmão que sacia
Com a reza que antecede o
Paladar
E com o repúdio
À sobra de comida no
Prato
Se, de tudo, meu filho escolher
Concordar com a missa
Farei silêncio e fecharei os olhos
Enquanto ele junta
As mãos
E entoa uma reza
Amem, amém.

Roma

Por Pedro Lorenzo e Deia Pereira


De mãos dadas no caminho
Que é o contrário da ida
Levantamos a suspeita
De que o amor seja mão única

Na antemão dos fatos
Contrariamos as suspeitas
Levantamos desejos
Disfarçamos anseios

Que seria o contrário de qualquer sentimento
Além de sua simples ausência?
Talvez por uma distração de conceitos
A isso se batizou por indiferença

Na contradição dos atos
Contrariamos as receitas
A indiferença é o que sentimos
Daquilo que não se sente?
Ou o desejo atravessa barreiras
E retira o véu que nos prende?

Qual a receita para toda a química?
Qual a fórmula que se perde nessa rua sem saída?
E o que se porta como o avesso do voilá da receita?

Se o amor está pronto
Seria a solidão dos ingredientes
Dispostos como um final
Que é possível mas não está terminado
Seria esse o contrário do amor?
O que ainda é cru?

Um olhar ou um toque sutil
São os sonhos ou as esperanças
A vontade do querer
O antagonismo entre dois pontos
Que separa a esperança

E a rebeldia de três pontos
Indicam que no fim da rua sem saída
Tem estrada de chão
Que é o contrário do asfalto
Mas não parece contramão
Não tem placas, o mato tá alto
Mas é continuação

E com o parecer de fatos opostos
Sem lugar nem direção
Surge a esperança de se reencontrar
E seguir num mesmo caminhar
Mesmo que em alguns momentos
Se transformem em antagônicos

E o amor se perde no ódio
Porém o ciclo sempre se reencontra
Levantando uma nova esperança
Deixando no ar uma pergunta
Qual o contrário do amor
Se o ódio também nos aproxima?

Singelo


Há um elo, um elo há
Com candura, um elo é
Outra alegria, um evoé
Doce som de um oboé
Trançando puras melodias
No elo das disritmias
Na rima e no ritmo das vias
De versos perversos e inversos
Corpos perenes imersos
Na eterna banheira poética
Com o vermelho do corte
Ou das pétalas que boiam
Qual é o elo entre o mergulho
E a água
Que se difere do elo entre a água
E os pulmões?
Apenas uma argola sustenta
Tudo que é linear
É tudo um elo
Mira al cielo
É como um zero
Que liga o positivo ao negativo
Sem nada ser, sem volume
Sem começo como Serafim
Um senhor meio amarelo
Que anda há mais de milhões de panos
Porque se percebeu parte do anelo
Que ainda que seja rompido
Sempre terá existido

O Anjo de Cabelo Roxo Vomitando no Inferno com o Cachorro Rosa




As vezes eu sinto vontade de habitar outros corpos por alguns instantes, só para verificar a normalidade acerca de algumas experiencias que vivencio na minha existencia, enclausurada no meu próprio corpo.
Mas, ao mesmo tempo, temo descobrir experiencias piores e aumentar ainda mais a minha empatia para com o outro, e de repente querer tomar as rédeas e não mais sair daquele corpo, afim de controla-lo altruisticamente, julgando ter melhores condições de conduzi-lo, e sair assim que ao menos alguma aspiração de paz estiver ali estabelecida.
Talvez tenham feito isso comigo. Talvez eu tenha feito isso comigo.
E não me cansa o hábito de questionar meus devaneios sobre o que é normal, posto que tudo me tem apontado que a minha preocupação em saber se uma conduta, sentimento ou vibração é aceitável a um ser humano, não é uma sede por um enquadramento dentro do que se entende por “natural”, mas sim uma tentativa de classificar cada parte do eu que me habita, na esperança - já desesperada, se é que isso é possível - de lampejos de auto-conhecimento. Como se isso me garantisse alguma linearidade de ações que me pudessem ser válidas em qualquer pretensão de tentar prever qual será a velocidade do meu pulsar; o tamanho do vácuo no pulmão que me tirará o ar; a viscosidade da palavra descontrolada que saltará à boca; a intensidade da dor causada e qual profundidade alcançará a arma a perfurar minha barriga, no momento singular de cada episódio que me cobra uma reação racionalmente calculada. Ao mesmo tempo me é apresentada, como uma velha surpresa repetida, a não-disposição de ferramentas emocionais que suportem e controlem meu equilíbrio organico para que eu possa pensar se digo sim ou não; sorrio ou tusso; paro ou volto; dou o tapa ou a face; falo ou mostro; escuto ou me distraio; me interno ou me externo; avanço ou desvio; me deixo acontecer ou me tento controlar; me vicio ou me abstenho; tento ou esqueço; acredito ou desconfio; dou as costas ou abraço; me protagonizo ou me assisto, a cada resultado em que me vaio ou me aplaudo.
Talvez isso não aconteça a nenhuma existencia em nenhum outro corpo.
Talvez aconteça em todos.
Acabei entendendo, depois de uma ajuda, que de fato existem coisas que não cabe a mim saber, por mais que me caiba questionar.

Ferrugem é Cor e Corpo




Parede branca toda marcada
Por poeira e por mão tateada
Abriga o prego velho e vazio
Que espera para ser sufocado
Pelo pendurar de um quadro

Já teve serventia ao ambiente
Embora declare não estar ciente
Se dispôs de sua força então
Para embelezar a decoração
Mas, de coração ele entende
Se enamorou por uma moldura
Que se segurou nele com doçura
Mas o prego nunca pôde ver a tela

Um dia bateu um vento na janela
Derrubando o quadro no chão
Revelando a triste constatação
De que ali só mesmo a moldura
Lhe despertava o pulsar apressado
Naquela tela faltava ternura
Era uma simples natureza morta
E seu moldurado de madeira torta
Iludia ao prego, fingindo respiração
Que não passava de simples reação
Entre o verniz de um
E a ferrugem do outro

Agora seu único contato próximo de vida
É pela tecelagem artesanal sofrida
Pela qual a aranha fabrica sua teia
E o prego se lembra e se chateia
Que seu ambiente querido
Virou um lugar esquecido
Não atrai nenhum sujeito
E virou o lugar perfeito
Para as teias em armadilhas de peso

Armadilhas onde o passado está preso
E, como presa, seu destino é ser refeição
Depois de tanto ter sido refeito
Termina virando refém
O passado do prego ele lembra bem
Cheio de marteladas enclausuradas
Fixado no branco da parede emassada
Que se apresentava como paraíso
Mas, também o paraíso foi enganador

O futuro do prego é o enferrujar
Não adianta rugir nem rezar
É ordem química natural de seu organismo
E ele percebe a falta de abismo
Na relação entre a ferrugem e o desuso
Falta de cuidado ou um intruso
Destroem a utilidade inicial de sua existencia

O presente do prego é a esperança
E o romantismo de que alguem veja o belo
Que atraiu ferrugens e teias como castelo
E possa ainda nele pendurar
Tela leve que não o faça despencar
Seja bela mas não passe fome
Como é o anjo de cabelo roxo
Vomitando no inferno
Com o cachorro rosa olhando

E o anjo insiste em chamar o prego
De amor

Que Tique Tinha

Para meu irmão Richard Bruno
Já procurei explicação pra isso
Em tudo quanto é definição
Em todo canto, quando e divagação
Em reza, em despacho e em feitiço

Nos rótulos de shampoo
Na posologia, numerologia
No gato que mia e na pia
Achei que explicaria…

Liguei pro telemarketing
Que tinha um 0800
Aguardei na linha quétinha
Escutei só “eu lamento”

Corri perguntei praquele carteiro
Primo do gari que é cabeleireiro
Da moça do 301 que embeleza o canteiro
Que alimenta toda a boiada do boiadeiro

Fui ver se Platão disse coisa
Que pudesse isso explicar
Encontrei uma mesa de Bach
Desce aí um Schopen gelado
Mas vamo rachar essa conta
Que o negócio tá Rousseou
Leonardo sempre dá vinte
Com o resto a gente se vira
Descartes esse colarinho
E vamo beber direitinho
E traga aí um salaminho
Que esses são nossos Hobbes
Dali a pouco a gente fica Locke
É capaz até que alguém Kant
Eu falei que eu queria um mel
O rapaz entendeu que é véu
Eu logo indaguei “mas que véu?”
Ele mirou e me tacou O Príncipe
Eu cismei que eu era um castelo

Vários estados de consciência
Na varanda não tem torpe essência
Gato preto, cotoco de rabo
E uma antena de TV a cabo

Eu cacei, procurei, pesquisei
E não acho nem por reza braba
Como é que pode o meu irmão
Ser eu de cueca e de barba

Um Lá do Lado



É parte essencial
E vital de seu contrário

O tudo não vive sem nada
A paz depende do ódio
Nada precisa de tudo
Ódio precisa de paz

O estranho apoia no comum
A crença vive de ceticismo
O cético vai ao catecismo
O pagão salva o beato

O preto tá cheio do branco
Tudo branco é preto de costas
O brilho deve tudo ao fosco
E João deve muito ao Bosco

Descalço quer comprar calçado
Pro cansado pisar a calçada
Sem casca a polpa não vinga
Sem mindinho a boca não xinga

É duro ter que ser macio
No rosto tem que ter maçã
Pecado dá em macieira
Pé de perdão é joelho

Dúvida tem que ter certeza
Claro de mão dada com breu
Toda noite tem dia
João também é Maria

A seca é irmã do enxarcado
Inferno é anexo do paraíso
Inverno com o verão faz dança
Com madeixa paralela se faz trança

O maleável é tão teimoso
Quanto o que tá entortado
E até o invés do avesso
Nasceu pra ser contrariado

Multifocal

Por Deia Pereira, Carlos Eduardo Giglio, Helemberg Cubiça, Pedro Ernesto, Rafaela Alves e Thiago Barros

Uma vida de merda
Com madrugadas privilegiadas
Não é qualquer sabido
Que tem a trilha sonora da vida
Tocada ao vivo
Não é qualquer vestido
Que tem o carinho de ser chamado
De escultura
Eu sou aquela que sobra
Uma foi com o ofício, outra foi com sono
Sou a última, a ímpar, remanescente
Sozinhos todos somos, mas eu não
Eu sou a última
E quero sempre ser
Porque, ficando por último
É que eu escuto primeiro
O galope de palavras em fila harmonica
Ainda que sejam tortas
Elas vivem enquanto um me oferece afago
Que muito mais é
Do que um simples galanteio
É a magia do encontro de universos
Em estados de consciencia diferentes
E palavras se transformam em sons
Quando não somos mais paralelos
E estamos aptos para lê-los
Em mais uma noite em claro
Mais uma manhã contemplativa
Dos males, o melhor
Dos mares, o maior
Dos bares, o badó
Não é qualquer sentido
Que é dirigido por mestres
Que já perderam a hora
Não é qualquer ouvido
Que escuta e degusta a doçura
Da entorpecida sensatez
A incorporar seus fregueses
Para dizer que quem sorri
Reza três vezes

Sedimentar



O vento, trazendo frescor
Céu trovoa, parece tambor
Vem a chuva, fazendo favor
Te fragmenta como fosse isopor
É assim com toda rocha, meu amor

Essas suas lascas
Que a natureza trata de arrancar
Servem pra te levar em parte
Pra onde seu todo não pode estar

Se a tempestade te encharca
É pra que a areia te drene pra ela
Se a ventania te balança
É pra que você levante a sua vela
Se o sol te acorda cedo
É pela sua paz que ele zela
E quer te entregar a brisa da manhã
Como inspiração pra tua tela

A naturalidade te distribui
Por terras que você nunca pisou
Há quem diga que você se perdeu
E há quem veja que você se doou

A Paz Sonar



Paixão
Não tem nada de paz
Não tem nada de são
Pois ela é vida
E essa aí
Não tem fadas banais
Nem tem pé de feijão

A embriaguez apaixona
Ou a paixão embriaga?
Sei que as duas me roubam
A memória que já é vaga

Engoli borboletas
Tive taquicardia
A boca virou sertão
Na perna a epilepsia

A nuca virou um ser tão teu
Que precisa do seu respirar
Enquanto te abraço em reza
E faço do teu peito um altar

Não Sei o Nome Disso



Você me olha e, de repente
Tudo volta a existir
Tudo que eu tinha desistido
Volta a fazer sentido
Sua voz varre meu chão de ideias
Tira a poeira
Deixa limpo suficiente
Pra você poder andar descalço
E o calor da sua presença
Suporta as estradas da calma
Como o estrado da cama
E ameniza percalços da rotina
Embeleza as vielas da paz
Não importa qual seja a neblina

É tanto, que eu consigo até
Ficar longe
É manto que cobre e não
Esconde
É um quê de ligação sem
Ponte

Porque a ponte é alta
Mas a gente prefere se jogar
Nosso atalho é um mergulho
É por isso que eu te olho e vejo mar
Você, que não avisa onde sua onda vai
Quebrar
Que traz a brisa quando o sol vai se
Molhar
Quando dia e noite se esbaldam de
Amarelar

Você, que não sabe seu tamanho
Se esbarra em tudo que é canto
Ouça o barulho do seu rebanho
E acredita no que diz seu santo

Vinho Lã Violão




Deixou a blusa
Mas eu queria o peito;
Os braços, a mão.
E escorrega
Mas eu queria grudar,
Ao menos adesivar;
Abotoar.
Ficou o cheiro,
Mas eu queria o paladar,
A barba, o chapéu;
Abraçar.
Queria te fazer de blusa,
Ser fronha pro seu peito,
Seu tórax-travesseiro.
Deixou a blusa
E fez dela um laço, amuleto.
Fez dela a palma
Que me aquece a mão
Ao consentir uma oração.
Ela é minha benção da noite,
É meu espreguiçar da manhã,
É o meu ninar no escuro
Que procede o sonho estranho.
Ela é isso tudo,
E se eu não me engano
Era só um pano. 

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

O Cão e o Poeta - O Faro e o Faria



Ali não deve morar gente
Tá tudo fechado, entortado, azulado
A casa é o que a gente sente
Parece chão encerado, quarto perfumado
Mas a casa domina a mente

O tato tenta convencer o sentido
O tempo venta pra dançar qualquer vestido
O teto cansado da sala foi removido
E vem o tímpano avisar o seu ouvido
É lá de fora que tá vindo esse latido

Ele tem sede e te encara de frente, é o cão
A casa assiste a cena bonita de se ver
Por fora o poeta do avesso, em terna oração
Aposta que o interno da escada vai se dissolver
E o corrimão quer que a palma se ponha a correr

É o cão, o que tá lá fora é o cão
É o oco, o que tá lá dentro é o louco
É passado, o que tá do lado amassado
É recado, tudo que não foi conversado

Qual a raça do cão?
Qual a ração?
Tem raça não, só sede e fome
Presta atenção, apareceu um homem
Procuração, pra invadir a casa

Quem tem a chave e quem tem chuva?
Quem zela por esse cão que não é seu?
Francisco não tá mais são, ele já bebeu
Não sei quem são, Pedro errou na mão
Pedi a chave e ele só choveu

Que se faça o perdão
E que perdure o pão
O cão e o poeta
Fogem da linha reta 

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Acaso à Parte



Tem alguma coisa nesse sorriso
Não é só boca, nem só rosto
Nem é sabor, mas tem gosto
Acho que você nem sabe disso

O cantinho do olho se aperta
Acho que ele quer dar espaço
Pro sorriso se esparramar
Olho gosta de dar lugar

Tem alguma coisa nesse olhar
Não é só o piscar, nem a retina
Nem são só cílios, nem é a menina
Acho que você nem vai concordar

Esse olhar anuncia sua presença
É desses que a gente quer ser mira
E é o mesmo que conforta, e que ri
Sem precisar de boca, e nem de si

Tem alguma coisa nesse falar
Não é só voz, nem só conversa
Nem só veludo, nem é pressa
Só sei o que é bom escutar

Tem também algo nesse jeito
De assumir sua humanidade
E algo também na saudade
De viver o que não foi feito

Alguma coisa dessa inquietação
Dosada sabiamente pela natureza sua
Me afasta do monótono linear
Como o piscar da estrela faz com a lua

Como o cacho faz com seu cabelo
Deve ser a alma que empresta o zelo
Como o olho encolhe pro seu sorriso
E o abraço esquenta, acomodadiço

Todo esse tanto de alguma coisa
Que eu não consigo descobrir
Me convence da desimportancia
De entender o que só fez surgir