sábado, 21 de abril de 2012

Boemia



Seu dom, seu domingo
Poseidon domador
Seu sabado badó bocó
Sabido bêbado sem dó
Segunda, seu guru faceiro
Que te afunda o ano inteiro
Pra na terça ter satisfação
Da véspera do meio, então
A quarta guarda a esperança
Avisando a vizinhança
Que quinta quem tá de bobeira
Já pensa que é a outra feira
Porque sua sexta de pique nique
Traz a moça branca do alambique
E já que a vida é dose
Desce uma dupla pra eu viver mais
Entre um pigarro e um cigarro
Eu vou tragando no meu traje
Que eu não meço no meu maço
O meu tempo e o meu espaço
Não temo pelo meu templo
Meu dom, meu domínio
Meu tom, metonímia
Meu job, meu Jobim

Janela

Deia Pereira e Fael Abranches 


Na entrada, o olho mágico só nos reporta
Já nela, a curva da Terra convida à investigar
Na campainha, só a nota que seu tom comporta
Já nela, a partitura avisa chegadas e lembra partidas
No tapete, pés esfregam a história que a sola porta
Já nela, pontes de lençóis amarrados e cabelos trançados 

Na moldura, o verniz alivia as margens da cela
Na tela, o rio corre para a teimosia do além
No pincel, a lingua se alfabetiza torta, em cores
Na vela, a chama treme entre a prece e o amém
Na escada, a boca da penitencia ria
No joelho, o ralado do perdão que mereceria

Na vidraça, a limitação do toque
No olhar, o drible do infinito
Nas prisões da mente penitenciária
O sol nasce fadado
A alumiar o mundo limitado
De quem ainda não amanheceu
Para perceber que a nossa casa
Se ilimita conforme a forma dos olhos

Não se calculam os lados do infinito
Nem cercam com muros os nossos gritos
Não se calculam os lados do infinito
Nem cercam com muros os nossos gritos
Não se fecham cercos a nossa matéria,
Somos e não sabemos beleza etérea,
A gente sente, e disfarça a vontade férrea
(E mente) pra manter a mente aérea.
Ser um só não é físico.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Erê Particular




Deixa
Que mesmo que a sorte encalhe
A estrada arruma outra crença
Traz de volta o que nos valhe
Mais veloz que a gente pensa

Madeixa
Lá do topo do seu ser
Na palha do meu chapéu
Faz a cena enrubrecer
E eu brincando de ser céu
E eu brincando de certeza
Lembrando que a natureza
É folha, não é papel

Ameixa
Um pé disso, uma muda
Um pedido de ajuda
De um erê particular
Que, brincando de ser terra
Foi brincando de ser água
Aprendendo a soprar vento
Embarcando o sentimento
Pra esse fogo não queimar

A queixa
De pertencer à um lugar
Nos deixa bem mais perto de voar
Pra onde quer que se possa brisar
Pra onde quer que a posse não seja altar
Pois quem quer possuir
Não tem propriedade pra amar
Ter mil mundos de endereços
Pode até nos ajudar

Deixa
Essa giranda te encantar
Logo uma criança vai te contar
Como se dança essa música
Pra quem precisa chegar
Lá onde se ensina a sentir
Sem ter 

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Vontarde


Aquela vontade de passar uma tarde olhando pela janela mais alta e ficar acreditando nas verdades que inventamos imaginariamente para a vida de cada desconhecido que passa lá embaixo, atribuindo pressas e belezas à essas pessoas, no convencimento ilusório e infantil baseado nos critérios que a gente acabara de inventar e, quando a gente menos espera, chove...
Toda tarde é uma janela alta.

Seu Céu

Foto: Milton Montenegro - Sísifo - 1988


Repara nessa vida, que
sempre que o céu anuvia,
a primeira gota de chuva que cai
toca a sua face.
Ela não cai no asfalto, nem no arbusto;
ela se joga do alto - como num susto!
E se entrega à tua testa.
A notícia de que tudo vai molhar
chega primeiro em você.
O céu pode escurecer, trovejar,
mas a certeza consumada
da cachoeira celeste
que aparece pra ser norte
se dá apenas quando a sua pele,
a sua cansada, queimada e suada pele,
é acariciada por ela: a primeira gota da sua chuva.
Às vezes ela demora a cair
porque você se mexe muito, e ela
fica lá de cima a te mirar, a quase cair,
a repensar, recalcular,
a fazer de tudo para não te errar.
Porque a primeira gota da sua chuva sabe que,
se ela anunciar seu temporal aos outros antes,
guarda-chuvas se abrirão como primavera.
E, muito mais rapidamente, as pessoas
andarão mais rápido e olhando para baixo,
e não para o lado, e bem menos para cima.
As poças escondem os desníveis das suas ruas,
a lama te convida a escorregar,
e é o medo quem dita as cores à sua volta,
escolhendo a diversão ou o caos.
A primeira gota da sua chuva é você quem sente
e a intensidade das suas águas não te embaça a lente,
porque você enxerga a naturalidade dos seus temporais
com a pele.
A primeira gota da sua chuva, é você quem sente.