domingo, 29 de julho de 2012

Retrato




De todas as fotos que empoeiraram
Eu sempre fico querendo me lembrar
Do que eu tanto ria

A cada pétala de poeira que chegava
Para fazer morada
Eu fui me descascando,
Até ficar assim
Contra o aborto de outras barrigas
Fazendo aniversário sem encher bexigas
Esquecendo em um segundo toda e qualquer briga
Que não seja antiga

Não sei, mas parece que não deu certo
Nenhuma fotografia traz nada pra perto
Sei lá, parece até que deu errado
Ou então,
O flash da minha memória anda desligado...

Porque de todos os retratos que se retrataram
Nenhum veio me relembrar
Do que eu tanto ria
Será que era só pose?
Será que é, ainda hoje?

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Satisfação




Tem dias em que fica ainda mais evidente
Que tem dias que a minha cabeça não merecia
Ter um corpo
E a única coisa
Que me cabe passar um tempo ensaiando em fazer
É me desculpar por essa bagunça orgânica
Que não vai se matar tão cedo
E, que pode morrer ao acaso, eu sei
Mas, caso o acaso também seja bagunçado
E antes que eu me desvie ainda mais do assunto
Ficam aqui
As minhas mais cínicas e amigáveis desculpas

É que eu não sou lá tão verdadeiro,
Desculpa por isso também
Eu finjo bem porque eu me acostumei
E não desacostumo por pura preguiça
Preguiça de gente
Preguiça de agir por gente

Ultimamente não tem me sobrado saúde
E eu tenho desistido de discutir já no primeiro ensaio de resposta
Não tenho mais persistido nos direitos e nas apostas
Tenho tossido mais do que respirado e, ainda assim,
Tenho achado abusivo o preço do Marlboro

E sabe o que você tem a ver com isso?
Tudo

Então, caso você tenha chegado até aqui
Me desculpa
Mas não é nada disso

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Embarque


A suspensão do meu peito pela manhã
Ainda que seja tarde
É a proa da minha prosa
Na minha viagem meu atraso é pontual
O meu ponto e vírgula veste moletom normal
E não se cogita nada fora da horizontal

São quatro colheres cafeinadas
Pra minha xícara desvairada
E se a água não estiver fervida
Eu é que fico desvairida
Por não ter o que assoprar
Por não ter onde formar ondas
Por não ver nada surfar

Andei precisando de âncora mais pesada
E acabei ficando mais leve, foi fácil e deu certo
Porque aqui, esse leme não me cobra um lema
E essa popa não quer ser meu Papa
Mas, acaba sendo

O esforço do braço pra alcançar a maçã
Mesmo quando a ferida arde
É a proa da minha prosa
Na minha miragem o acaso é opcional
O meu ponto de vista sempre foi bem marginal
E o mastro da minha ida sempre acorda maestral



Emily



Arte: Wesley Faria (www.realejodapoesia.blogspot.com.bt)





Você pode imaginar, mas
Só eu sei pra onde eu olho
E só eu sei dos meus desenhos
E, apesar de toda exclusividade
Só eu sei que quem me pinta
São as cerdas de outros olhos
Só eu sinto que o vento muda
Toda vez que piscam os cílios desse pincel
Mas, daqui pra frente e pra dentro
Só eu sei a cor da tinta
E só eu sinto o chão macio que foi traçado
Sou eu quem rabisca o vazio
Que era usado pra amortecer derrotas
Eu, que ajudo a construir beleza
Muitas vezes nem me sinto parte dela
E eu, que persigo o breu da clareza
Muitas vezes minto ser a sua tela

É só uma brisa
Meu cabelo alisa
Logo o ar se cansa e para
Logo o artista dança
E se sara

Abraço


Deduz, em aspirante previsão
Que a conduta do outro irmão
Vai satisfazer seus segredos
E se decepciona ao perceber
Que nenhum outro ser
Está sob seu poder

Vai segregar seus sentidos
E humanizar os ouvidos
Que escutam seus sussurros
Que ninguém pode saber
E entender que deduzir
Não é confiar
E não é mister confiança
Para amar
Já que a nossa semelhança
Permite errar

Não se ofenda, pelo contrário
Mas eu não te confio
Eu também só te deduzo
Como quem contempla uma tarde
Eu te arrisco com tranquilidade
E faço o mesmo comigo

Não tenho muito a perder
Que não se possa recuperar
Do perdão eu não desvio
Qualquer caminho eu cruzo
E as contas da minha reza
Nos apartam do vazio
E é por tudo isso que eu tanto rio

Toda essa minha alegria descansada
Sou eu quem crio

Troco Errado


Andamos tão cheios de etiquetas
Que nossos valores viraram preços
O egoísmo consome nossas plaquetas
E nossos amores padecem nos leitos
Nossas vidas, tão cheias de letras
Se tornaram simples adereços
Pagamos caro por um carinho
Damos aos amigos as migalhas
Pegamos carona, um pouquinho,
No medo de assumir as falhas
Dia a dia abortamos o afeto
A cada oito horas, um comprimido
Não temos minuto para ficar quieto
Vigiar a velocidade dos segundos
É o que nosso relógio faz primeiro
Morremos pelo fundo de garantia
E deixamos de nascer o dia inteiro
Imagina o quanto a gente se amaria
Se confiássemos menos no dinheiro

Acato ao Maracatu


Caiu um cisco
Caiu Francisco no olho do mundo
Lacrimejou
A pele árida da face da Terra ele molhou

Caiu um cisco
Caiu Francisco nos olhos da gente
Incomodou nossas retinas retas e secas
Descortinou as janelas das nossas lentes

Caiu um cisco
E eu duvido que você não leve a mão no olho
E eu duvido que você não ponha os pés de molho
Na textura dos solos da ciência de Francisco

Caiu um cisco
Um nordestino no destino da nossa gente
Um inquilino que nos aparta a mente
Para cruzar a estrada de chão das ideias
Lá, onde o asfalto nunca fez falta

Caiu um cisco
Caiu porque veio de cima
Mas caiu felinamente levantado
E até mesmo seu silêncio ensina
Que vivemos num grande mangue
E estranhamente a vida se anima
Pisando a lama e com rosto suado
E a gente aprende a ir pra frente
Andando de lado

Caiu um cisco!

Equilíbrio


Só tem você ali.
A confiança presenteada ao olhar
Guarda a mira que inspira equilíbrio.
É como mirra que espelha nosso alívio.
Tudo sempre bambeia por fora,
E quem assiste à imagem sem sentir
Que o peito prevê a hora de cair;
Quem desiste da miragem sem conferir
Se a imaginação desesperada não é milagre;
Quem vê, triste, o seu desejo sumir
Sem arriscar manipular o futuro,
Só vai ver, nisso tudo, um objeto
Inanimado como qualquer ser desprovido de sopro.
Só vai ter, de conteúdo, o peso vazio
Da superfície inocente que cobre a cena.
Pisar acima do chão público
É a inventiva forma de voar.

Café da Tarde


Fazer o que
Se eu me enxodozei desse jeito?
Que mais além
De te achamegar no meu peito?
Tem de ter muita coragem
Pra perder tempo pensando nos porquês
Tem que ter pouca saudade
Pra trocar esse afago por talvez
Encontrar uma frase que explique
Que foi que juntou um no outro
Por que é que, de dois, virou um só
Quem foi que ajoelhou em reza e promessa
Pro Pai do Céu conceder tanto xodó?
Mas tem que ter muita coragem e teimosia
Pra perder tempo pensando no talvez
Que será que aconteceria?
E o que há de acontecer?
Será que resiste a alegria?
E será que a gente entenderia
Alguma razão desmedida e magra
Que se profanasse a vocabularizar
Uma cheiro, um carinho, a olhar por um triz?
Será que resiste a alegria
Se a gente só pensar em ser feliz?
Só sei que eu já te enchuchuzei
Te endocedecoquei, te embenzinhei
E, fazer o que, meu dengo?
Ficar pensando na vida?
Só se for no cochilo do fim tarde
Na nossa rede estendida
E só acordar com aquele alarde
Do silêncio encafezado no cheiro
Que é o barulho que a gente mais gosta
Vem, que a mesa já tá posta

Praça


A vida é um circo
um reflexo
um circunflexo.
E todo agora em que ainda me iludo
é um agudo.
Por ser meio crua talvez eu nem me case
talvez eu me crase.
De qualquer forma,
sempre tenho chão e perna de índio,
pra nunca ficar sem acento.

Não Era Pra Você Concordar


Não deve ser atoa
O barulho que faz a paz
Que fala alto só quando te abraço...
Não deve ser atoa
A risada que a gente dá
Com uma música ou outra...
Não deve ser atoa
Que a gente escuta as mesmas músicas...sempre...
Não pode ser garoa
Tudo isso que chove na gente
E a minha letra bagunçada é pra guardar pra sempre
Sempre que se possa guardar
E para de tentar me espiar
Porque tudo que você tiver pra ver
Eu vou mostrar

Mas isso tudo é só versar...
Vive, por favor, vive.

Qualquer Letra


Eu não preciso ser musa
Já não nasci muito "moça"
Vivo doente de amor
Por qualquer cura inexistente
Por qualquer célula demente
Por qualquer bicho, coisa ou gente
Eu vivo doente de amor
Mas eu não preciso ser doida
Não preciso e nem sou
Ainda que as vezes eu corra da vida
Com os meus melhores pés
Pra compensar, eu sempre grudo meu peito
Às batidas mais fiéis
Até que elas mintam... E, acredite
Elas mentem uma hora.
E eu também.
Contudo, eu ando pensando
Das vezes que eu ainda vou me esbofetear
E me carinhar
E fico pensando, quanto pesa tudo isso?
Quantos metros pode ter?
Mas, como eu já dizia a um amigo meu
O nosso tamanho a gente não mede
A gente cede

Tudo, desde sempre, se desacaba
Não tá chegando a hora
A hora tá acontecendo
Se desacabando...

Conhaque


Algo quente, por favor.
Seja da cor que for,
Que eu já não ligo mais pro tom.
Então traz marrom, amarelo, neon...
Seja tônico ou não,
Traz seu dom e me serve.
Traz seu dom que ele me serve,
E não importa a demora, a espera, o perdão...
Só me cabe cobrar que venha da tua mão
Tudo que se propõe a estar prestes
A prestar-se ao seu papel
Ao seu amassado, envelhecido e rabiscado papel.
Algo quente, por favor.
E, se for vermelho é melhor!
Se vier rápido eu muito agradeço,
Aliás, ao menos pressa eu mereço,
Que eu já não ligo mais pra nada
Que demore mais que um poema.

Dos Outros

Passam dois, três dias
Arranco dos reis a folia
Desligo o som, apago a luz
Acabo com a festa de todo mundo
Acabo com qualquer coisa em um segundo
Se a alegria não for sua também
Lembra daquela volta que a gente deu?
Eu voltei a pensar nas voltas que a gente dá
Pra fazer e falar qualquer coisa e,
No final,
Não dá tempo
E tudo que a gente fez foi ir e voltar
E perder os meios antes de chegar ao fim
Antes de chegar ao sim
De novo
E não foi pouco, porque foi nosso

O Dia em Que Virei Boneca

Percebi, logo ao amanhecer
Que havia perdido o movimento dos olhos.
Para frente, era a única direção que eles conheciam.
Agora eu só olhava adiante.
Fui tomar banho e notei, sem muita emoção,
Que minha pele já não absorvia a água com tanta facilidade.
Acho que perdi a capacidade de sentir na pele.
A falta de sangue me deixou mais reciclável e fria,
Alguns nutrientes a menos me embaraçaram mais os cabelos…
Cabelo… Sempre foi a minha parte menos desartificial,
Sempre foi meu parque de diversões nos dias de tédio.
Abri meu guarda-roupas e uma novidade confortante:
Agora eu só tenho um vestido.
Um amarelo estampado, com renda no final, como deveria ser a vida.
Não preciso escolher o que vestir.
Só preciso escolher entre me vestir, ou não.
Pela primeira vez na vida, não tenho um dono.
Tenho hora para o chá, tenho uma prateleira e, às vezes,
Por pouco tempo, pego poeira.
Mas nunca mais fui obsoleta.
Sempre existe alguém enxergando diversão em mim.
Uma vez que saí da embalagem, minha vida é criar memórias.
Todo mundo “amava aquela boneca”.
Agora muita gente já me amou, até no futuro.
Sou pouco articulada, mas não me preocupo com as cutículas.
Minha maçã é rosada, algumas pessoas vão me achar ridícula.
Mas, meu rosto agradavelmente só me permite sorrir.
Sorrir e olhar para frente.
Amar quem atropelar meu olhar, e saber ser memória.
Aprendi a ser memória.
Foi esse o dia em que virei boneca.

Nossa Cabana

Do Testamento a Testemunha
Eu me desoriento
Da Verdade a Vivaldi
Visito o ceticismo
De Demóstenes ao Demonio
Acabei herdando cinismo
De Osho a Oxóssi
Eu sigo quem me pergunta
De Shiva a She-ra
Assisto quem me desmonta
Do Abadá ao Abdala
Eu brinco com quem me canta
De Kant a Caatinga
Enceno o papel de santa
De Cartola a Cartolina
Moinhos de papel e vento
Do Acre a Crença
Eu não acredito vendo
De Chico a Chicória
Eu só mastigo crendo
De Platão a Platina
O pódium vai crescendo
De Buda a Peste
Tudo visita o agreste
Do Cachê ao Clichê
Blá blá, sei lá o quê
Do Tupi ao Guaraná
Me perdi no caxangá
Do Profeta ao Prefeito
Meu voto vai me roubar
De Deuses a Teus
Nem verdade nem ilusão
De Sarney a Sarna
A gente vai se unhando
Do Berimbau a Rimbaud
A poesia chega em bando
Do Poeta ao Sol Poente
A vista vai amarelando
Do Poema a Boemia
Nada é perdido em vão
Fica partido o pão
E a fome